Ricardo Domeneck









Nasceu em Bebedouro, estado de São Paulo, Brasil, em 1977. Além de poeta, é tradutor, ensaísta, videomaker e DJ, trabalhando com poesia sonora e em vídeo. Edita a revista eletrônica Hilda e a revista impressa/eletrônica Modo de Usar & Co., com os poetas Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia. Publicou os livros Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Editora Bem-Te-Vi, 2005) e a cadela sem Logos (São Paulo: Cosac Naify, 2007). Sua terceira coletânea de poemas, Sons: Arranjo: Garganta, será publicada no fim de 2008. Foi traduzido para o castelhano, inglês, alemão e catalão, e incluído nas antologias Cuatro Poetas Recientes de Brasil, (Buenos Aires: Editorial Black & Vermelho, 2006 - tradução de Cristian De Nápoli), Tigertail Poetry Annual: Brazil Issue (Miami: Tigertail, 2008 - tradução de Charles Perrone), A Poesia Andando: 13 Poetas do Brasil (Lisboa: Editora Cotovia, 2008), entre outras.



Linear

De boca em boca
o mundo mostra
os dentes e a garganta
infecciona-se em resposta.
Atento ao ambiente como
o ambiente ignora
a minha vontade.
Mesmo equivalências
geram colisões e o eixo
do sal denuncia
o doce na boca.
“.”
O herói contra
a corrente, o herói
à vela.
Não há apoteose
suficiente para todos,
a chuva muitas vezes
cai antes
da hora,
quer-se os créditos
e eles não sobem.
Beethoven
ludibriou-nos.
É claro que em Who´s
Afraid of Virginia Woolf?
Richard Burton, não,
George, recorre ao
útero vazio
de Elizabeth Taylor,
não,
Martha, para a
ofensa última.
A escala da
nutrição não
recomeça a cada
meia-noite, segue
a continuidade
do esôfago, do
termômetro, da
maré, da
infecção, da
ascensão e queda
dos efeitos
da cocaína, da cafeína.
Filiação da fome e
as ilusões da higiene.





Mula

Minha
senhora: os unicórnios
que caem com a raiz
não
voltam mais; ainda
que Van Goghs até
que engasgues,
sigo mula
a indiciar o caso
excepcional
do sem espécie,
self-archived tool, exílio
dos catálogos
a especificar o espaço
para a porcentagem da escolha
do puro, alheia que se agita
antes de abrir, dose cavalar
de juramento e
egüidade. Poupa-me,
Popeye: longe de mim
impor-me híbrida
à tua hípica -
brutalmente homogênea,
especialista em fronteiras,
eject de habitat,
eis-me, excelentíssimo,
a de cascos
não-retornáveis,
nula nulla
tal qual high bred hybrid
relinchando o já morto:
muslos de mulícia,
esterilizável, aureolar,
multívaga
ambiqüestre
de mulas prontas,
perdoai vossa serva
preguiçodáctila aos berros
perturbando vosso áureo
piquenique do sublime,
illicit mule
espirrando em vosso épico.
Não
há Blade
Runner que resista
mesmo euzim
fake mullah,
insciente dos teus métodos,
ó sussurrável, hoof muffler
da palha de meu estofo.
Prometo-me estóica
e subcutânea,
bem fazes em esporear-me
o couro catecúmeno à chuva
do teu cuspe, inestimável
senhor de eco intumescido:
até que a mula
aqui fale
como manda
o figurino,
e encontre a exit
de quem às caras
me dera lamber o mundo
com a própria língua: mulo
fundindo
com a função da forma
os extremos do exorcício e
a fanfarra do sem categoria.


Berlim – agosto mês de desgosto, 2007